Grupo Farmacologia Informa
As recentes publicações de novos trabalhos sobre a cloroquina (CQ) e a hidroxicloroquina (HCQ) no tratamento da COVID-19 trouxeram novas evidências científicas sobre a eficácia e a segurança do uso destes fármacos. No entanto, a maior parte ainda são estudos observacionais, retrospectivos e/ou com grupos pequenos de pacientes, o que limita a interpretação e a qualidade dos resultados.
Um estudo clínico randomizado realizado no Brasil (CloroCovid-19) comparou duas doses de CQ associada com azitromicina e oseltamivir em pacientes graves. O grupo que recebeu 600 mg duas vezes ao dia (dose considerada alta) durante 10 dias apresentou maior frequência de alteração do eletrocardiograma e maior mortalidade, o que resultou na interrupção da utilização desta dose (1).
Um estudo que analisou bancos de dados de vários países indicou que o uso da HCQ por 30 dias não foi relacionado a efeitos adversos graves. Contudo, houve aumento de 15%-20% de insuficiência cardíaca quando a HCQ foi associada à azitromicina. Além disso, esse esquema terapêutico aumentou em 2 vezes o risco de mortalidade por alteração cardiovascular nos primeiros 30 dias de tratamento (2). Em outro estudo observacional realizado em um centro médico de Boston, Massachusetts, revelou alterações do eletrocardiograma de pacientes com pneumonia por COVID-19 tratados com HQC. Nos pacientes tratados com a associação de HQC e azitromicina este efeito adverso foi ainda mais significativo, levando os autores a advertirem quanto ao risco dessa associação e à necessidade de monitoramento dos pacientes (3).
Por outro lado, um estudo observacional realizado em um centro médico em Nova Iorque mostrou que os pacientes tratados com HCQ durante o período de internação não apresentaram nem aumento nem redução do risco de entubação e morte (4). Resultados semelhantes foram observados em um estudo retrospectivo multicêntrico, incluindo mais de 80% dos pacientes com COVID-19 da região metropolitana de Nova Iorque, onde não foi observada alteração da mortalidade dos pacientes que foram tratados com HCQ, azitromicina ou ambos (5).
Na França, um estudo observacional com pacientes internados devido à pneumonia por COVID-19 e com necessidade de suplementação de oxigênio, o tratamento com HCQ não reduziu a transferência para a unidade de terapia intensiva nem a mortalidade, e 10 % dos pacientes interromperam o tratamento devido a alterações do eletrocardiograma (6). Já um estudo retrospectivo nesse mesmo país indicou que o tratamento com HCQ e azitromicina em casos leves e moderados é seguro. Menos de 1 % dos pacientes foram transferidos para unidade de terapia intensiva ou morreram e somente 2,4 % apresentaram efeitos adversos (7). Outro estudo retrospectivo, que incluiu pacientes críticos de um hospital de Wuhan (China), mostrou que a associação de dose baixa de HCQ (200 mg duas vezes ao dia por 7-10 dias) ao tratamento básico dos pacientes resultou em redução dos níveis plasmáticos da citocina pró-inflamatória interleucina-6 (IL-6) e redução do número de mortes (8).
Um único estudo clínico controlado randomizado com 150 pacientes com COVID-19 leve a moderada indicou que o tratamento com HCQ por 2 a 3 semanas não resultou em cura mais rápida dos pacientes. Efeitos adversos gastrointestinais ocorreram em 10 % dos pacientes (9).
Embora novos estudos tenham sido publicados, a utilização da CQ e da HCQ, associadas ou não com azitromicina, ainda permanece controversa. Até o presente momento, a eficácia antiviral destes fármacos ainda não está bem determinada em humanos, apesar dos trabalhos in vitro que mostraram inibição da infecção e da replicação viral do Sars-CoV-2 após tratamento com CQ/HCQ em células (10). São necessários novos estudos não somente para avaliar a eficácia destes fármacos, mas também para determinação do esquema terapêutico adequado (dose e tempo de tratamento) para os diferentes graus de severidade da COVID-19.
O Instituto para Práticas Seguras no Uso de Medicamento (ISMP) ressalta que as doses indicadas pelo Ministério da Saúde (MS) na Nota Informativa Nº 6/2020-DAF/SCTIE/MS precisam ser individualizadas, devido ao impacto renal e hepático que tanto a COVID-19 como esses medicamentos podem causar (11). O Consenso da Associação de Medicina Intensiva Brasileira, da Sociedade Brasileira de Infectologia e da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia não recomenda o uso de rotina da CQ e da HCQ, associadas ou não à azitromicina, no tratamento da COVID-19 (12).
Apesar de não haver evidências científicas robustas sobre a eficácia e a segurança do uso da CQ e da HCQ no tratamento da COVID-19, o Ministério da Saúde publicou hoje, dia 20 de maio de 2020, novas orientações para o tratamento medicamentoso de pacientes com diagnóstico de COVID-19. A orientação inclui a utilização da associação de CQ ou HCQ com azitromicina no tratamento de casos leves, moderados e graves de COVID-19 (13).
Referências bibliográficas
1. Borba MGS et al. Effect of High vs Low Doses of Chloroquine Diphosphate as Adjunctive Therapy for Patients Hospitalized With Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2 (SARS-CoV-2) Infection. A Randomized Clinical Trial. JAMA Netw Open 2020; 3(4):e208857. doi:10.1001/jamanetworkopen.2020.8857.
2. Lane JCE, Weaver J, Kostka K, et al. Safety of hydroxychloroquine, alone and in combination with azithromycin, in light of rapid widespread use for COVID-19: a multinational, network cohort and self-controlled case series study. medRxiv. 2020; doi: 10.1101/2020.04.08.20054551.
3. Mercuro NJ et al. Risk of QT Interval Prolongation Associated With Use of Hydroxychloroquine With or Without Concomitant Azithromycin Among Hospitalized Patients Testing Positive for Coronavirus Disease 2019 (COVID-19). JAMA Cardiol 2020; doi:10.1001/jamacardio.2020.1834.
4. Geleris J et al. Observational Study of Hydroxychloroquine in Hospitalized Patients with Covid-19. N Engl J Med 2020; doi: 10.1056/NEJMoa2012410.
5. Rosemberg ES. Association of Treatment With Hydroxychloroquine or Azithromycin With In-Hospital Mortality in Patients With COVID-19 in NewYork State. JAMA 2020; doi:10.1001/jama.2020.8630.
6. Mahévas M et al. Clinical efficacy of hydroxychloroquine in patients with covid-19 pneumonia who require oxygen: observational comparative study using routine care data. BMJ 2020; 369:m1844. doi:10.1136/bmj.m1844.
7. Million M et al. Early treatment of COVID-19 patients with hydroxychloroquine and azithromycin: a retrospective analysis of 1061 cases in Marseille, France. Travel Med Infect Dis 2020; doi: 10.1016/j.tmaid.2020.101738.
8. Yu et al. Low dose of hydroxychloroquine reduces fatality of critically ill patients with COVID-19. ci China Life Sci 2020; 15:1-7. doi: 10.1007/s11427-020-1732-2.
9. Tang W et al. Hydroxychloroquine in patients with mainly mild to moderate coronavirus disease 2019: open label, randomised controlled trial. BMJ 2020; 369:m1849. doi: 10.1136/bmj.m1849.
10. Roldan EQ et al. The Possible Mechanisms of Action of 4-aminoquinolines (Chloroquine/Hydroxychloroquine) Against Sars-Cov-2 Infection (COVID-19): A Role for Iron Homeostasis? Pharmacol Res 2020; 104904. doi: 10.1016/j.phrs.2020.104904.
11. Instituto para Práticas Seguras no Uso de Medicamentos. Tratamentos potenciais para covid-19: promoção do uso seguro durante a pandemia. Volume 9, número 2. Abril 2020.
12. Diretrizes para o Tratamento Farmacológico da COVID-19. Consenso da Associação de Medicina Intensiva Brasileira, da Sociedade Brasileira de Infectologia e da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. 18 de maio de 2020.
13. Orientações do Ministério da Saúde para tratamento medicamentoso precoce de pacientes com diagnóstico da covid-19. 20 de maio de 2020.
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