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Desafios imunológicos para o desenvolvimento de vacinas para COVID-19

Prof. Dr. João Luiz Wanderley – Campus UFRJ-Macaé


Com a ausência de um tratamento que seja efetivo contra a SARS-CoV-2, o novo coronavírus, acredita-se que a principal forma de prevenção efetiva para impedir que este vírus continue se disseminando e causando o alto número de doentes e óbitos, seja o desenvolvimento de uma vacina eficaz. A vacinação é considerada pela OMS e por especialistas na área de infectologia como uma das formas mais bem-sucedidas de prevenção (1). Estima-se que 2 a 3 milhões de mortes por anos sejam prevenidas por vacinas contra mais de 20 doenças como difteria, tétano, coqueluche, gripe e sarampo (2). Além disso, a vacinação é um componente central na atenção primária de saúde pois é um procedimento simples que pode ser disponibilizado para um grande número de pessoas a um custo relativamente baixo além de causar poucos efeitos adversos em pessoas saudáveis (2, 3). No entanto, o processo de desenvolvimento de vacinas é custoso, demorado, precisa de investimentos de grande porte e, para ter sucesso, depende das características do patógeno e da resposta imune dos indivíduos (4). O esforço da comunidade científica e das empresas de biotecnologia para o desenvolvimento da vacina contra o novo coronavírus não tem precedentes na história. Nesse momento o mundo está à espera da confirmação da produção de uma vacina segura e efetiva e existem alguns candidatos promissores que estão na fase final de estudos clínicos (5). As vacinas em estágio mais avançado de desenvolvimento estão na fase 3 de estudos onde se observa a eficácia, ou seja, se a vacina é capaz de proteger da doença. Na fase 2, foi observado que estas vacinas são capazes de induzir resposta imune em indivíduos saudáveis (6). Isto significa que podemos esperar bons resultados de eficácia dessas vacinas?

Os testes preliminares de segurança e indução de resposta imune obtiveram bons resultados. Não houve efeitos adversos importantes e as vacinas induziram produção de anticorpos e de células imunológicas contra o novo coronavírus. Mas isso ainda não é suficiente para garantir o sucesso (6). Nos testes de fase 3 as avaliações sobre a segurança da vacina continuam e com um número bem maior de voluntários. As suspeitas de reações adversas precisam ser confirmadas e estão sendo analisadas (7). Além disso, quando o sistema imune entra em contato com patógenos normalmente ocorre algum tipo de resposta, mas nem sempre a resposta é protetora. Ainda precisamos de mais informações sobre qual é a reposta protetora contra o novo coronavírus, no entanto acredita-se que a produção de anticorpos neutralizantes IgG e IgA, que bloqueiam a proteína de superfície do vírus; assim como a sobrevivência de linfócitos T, células que conseguem matar diretamente células infectadas pelo vírus e induzir respostas inflamatórias potentes, podem proteger contra a infecção (8, 9). Em ambos os casos (anticorpos e linfócitos T), ocorre a formação de resposta imune de memória, que permite a manutenção da proteção imunológica por períodos maiores de tempo. No entanto, ainda resta saber qual é o período e nível de resposta mantida (10). Foi observado em um surto que ocorreu em um navio pesqueiro, que as pessoas presentes que já haviam sido infectadas, se recuperaram da doença e tinham anticorpos não se reinfectaram (11). Isso é verdade também em experimentos feitos com animais (12) e indicam a indução de imunidade protetora induzida pela própria infecção. Esses resultados precisam ser confirmados em um número maior de pessoas, e em um acompanhamento por um tempo maior. Pessoas assintomáticas ou com COVID-19 leve desenvolvem resposta imune de memória, com presença de linfócitos T de memória até 2 meses após a resolução da doença (13). No entanto, em torno de 30% dessas pessoas desenvolve níveis baixos de anticorpos, principalmente os anticorpos neutralizantes (8). E ainda não está claro se presença de linfócitos T de memória com baixos níveis de anticorpos neutralizantes, é suficiente para proteger contra reinfecções. Além disso, existem evidências de que pessoas infectadas podem demorar até 2 meses para desenvolver imunidade por anticorpos (14) e não são claros os motivos para isso nem se estas pessoas ficam suscetíveis a uma nova infecção nesse período. Alguns artigos mostram também que o vírus é capaz de enganar algumas etapas do sistema imune, o que chamamos de evasão imunológica. Nos primeiros dias de infecção o vírus pode induzir a diminuição de mediadores do sistema imune que iniciam o processo de resposta, permitindo maior proliferação do vírus e casos mais graves da doença (15). Mesmo ainda com muitas dúvidas sobre os processos de indução de imunidade natural que poderia gerar a imunidade de rebanho, os casos de reinfecção descritos até agora não são conclusivos para definir essa questão. Em um destes casos, foi feita uma análise dos vírus que causaram a primeira e a segunda infecções e foi observado que se tratava de uma variação do vírus (16). Ou seja, é possível que vírus modificados possam infectar indivíduos imunizados, e isso terá um impacto no nível de eficácia das vacinas que estão sendo desenvolvidas. No entanto, são poucos casos de reinfecção descritos e confirmados até agora e o impacto disso ainda parece ser pequeno para diminuir as expectativas de termos uma vacina eficaz.

4- Plotkin S, Robinson JM, Cunningham G, Iqbal R, Larsen S. The complexity and cost of vaccine manufacturing - An overview. Vaccine. 2017;35(33):4064-4071.

6- Jeyanathan, M., Afkhami, S., Smaill, F., Miller, M. S., Lichty, B. D., & Xing, Z. (2020). Immunological considerations for COVID-19 vaccine strategies. Nature reviews. Immunology, 10.1038/s41577-020-00434-6.

8- Robbiani DF, Gaebler C, Muecksch F, et al. Convergent antibody responses to SARS-CoV-2 in convalescent individuals. Nature. Published online June 18, 2020

9- Grifoni A, Weiskopf D, Ramirez SI, et al. Targets of T cell responses to SARS-CoV-2 coronavirus in Humans with COVID-19 disease and unexposed individuals. Cell. 2020;181(7):1489-1501.e15

10- Stephens DS, McElrath MJ. COVID-19 and the Path to Immunity. JAMA. Published online September 11, 2020. doi:10.1001/jama.2020.16656

11- Addetia A, Crawford KHD, Dingens A, et al. Neutralizing antibodies correlate with protection from SARS-CoV-2 in humans during a fishery vessel outbreak with high attack rate [published online ahead of print, 2020 Aug 21]. J Clin Microbiol. 2020; JCM.02107-20.

12- Deng W, Bao L, Liu J, et al. Primary exposure to SARS-CoV-2 protects against reinfection in rhesus macaques. Science. 2020;369(6505):818-823.

13- Sekine, T., Perez-Potti, A., Rivera-Ballesteros, O., Strålin, K., t al. COVID-19 Study Group, Robust T cell immunity in convalescent individuals with asymptomatic or mild COVID-19, Cell (2020), doi: https:// doi.org/10.1016/j.cell.2020.08.017.

14- Wang F, Yao Y, Hou H, et al. Delayed virus-specific antibody responses associate with COVID-19 mortality [published online ahead of print, 2020 Aug 5]. Allergy. 2020;10.1111/all.14546.

15- Lei X, Dong X, Ma R, et al. Activation and evasion of type I interferon responses by SARS-CoV-2. Nat Commun. 2020;11(1):3810.

To KK, Hung IF, Ip JD, et al. COVID-19 re-infection by a phylogenetically distinct SARS-coronavirus-2 strain confirmed by whole genome sequencing [published online ahead of print, 2020 Aug 25]. Clin Infect Dis. 2020; ciaa1275.

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