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Evidências científicas sobre o medicamento anakinra no tratamento da COVID-19

Equipe Farmacologia Informa


A infecção pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2), causador da COVID-19, pode evoluir para um quadro inflamatório intenso nos pacientes com doença moderada e grave, incluindo o que é denominado tempestade de citocinas (reação potencialmente fatal do sistema imunológico, na qual ocorre uma liberação excessiva de mediadores pró-inflamatórios) (1). Uma das citocinas observadas em altos níveis neste quadro clínico é a interleucina-1β (IL-1β) (2, 3, 4), sendo essencial para o desenvolvimento do quadro de síndrome respiratória aguda grave (SARS) (1,5). Então, uma das estratégias de tratamento da COVID-19 seria o bloqueio da ação desta citocina (5).

Anakinra é um medicamento biológico, administrado por via subcutânea, que atua bloqueando o receptor de IL-1, sendo utilizado no tratamento de doenças que apresentam um quadro de alta atividade inflamatória, como artrite idiopática juvenil (6), criopirinopatias (7) e doença de Still (8). Além disso, em um estudo clínico randomizado, o anakinra mostrou melhora na sobrevida de pacientes com sepse grave desencadeada por síndrome de ativação macrofágica (que pode ser caudada por infecções, neoplasias, imunodeficiências e doenças reumáticas crônicas) (9). Esse fármaco ainda não é registrado no Brasil para nenhuma dessas indicações.

Na COVID-19, a maioria dos artigos sobre a utilização do anakinra são relatos de poucos casos. O primeiro relato de uso desse fármaco foi de um paciente com COVID-19 na Itália que havia sido tratado com lopinavir/ritonavir e hidroxicloroquina (HCQ). Após piora do quadro clínico, essas medicações foram suspensas e o paciente recebeu anakinra e um corticoide, com melhora e alta hospitalar após 29 dias de internação (10).

Dimopoulus e colaboradores (11) mostraram efeito benéfico do anakinra em 5 de 8 pacientes com COVID-19 que desenvolveram secundariamente uma linfohistiocitose hemofagocítica (síndrome de hiperativação imunológica que ocorre quando o organismo não elimina os macrófagos ativados, levando à produção excessiva de citocinas pró-inflamatórias), caracterizada por hipercoagulação, lesão renal aguda, disfunção hepatobiliar e pancitopenia (diminuição do número de elementos do sangue: hemácias, leucócitos e plaquetas). Os pacientes que sobreviveram tiveram melhora no quadro respiratório e redução nos marcadores de hipercoagulação e hiperinflamação.

Pontali e colaboradores (12) descreveram o uso de anakinra associado à metilpredinisolona em 5 pacientes com comprometimento pulmonar de moderado a severo causado por COVID-19, os quais evoluíram com rápida resolução da inflamação sistêmica e melhora nos parâmetros respiratórios, sem efeitos adversos ou infecções secundárias, e alta hospitalar em 6-13 dias.

Um estudo retrospectivo foi realizado na Itália (13) com pacientes com COVID-19 moderada a severa e marcadores laboratoriais de estado de hiper-inflamação, sendo dois grupos de tratamento (registro clinical trials.gov NCT04318366): HCQ + lopinavir/ritonavir (16 pacientes) e HCQ+ lopinavir/ritonavir + anakinra (29 pacientes). Do grupo que recebeu anakinra, 21 indivíduos apresentaram melhora do quadro pulmonar, 5 necessitaram de ventilação mecânica e 3 (10%) faleceram após 21 dias de tratamento; enquanto que no grupo controle a taxa de mortalidade foi de 44%. O nível de infecção bacteriana associada foi semelhante entre os grupos (13% e 14%, respectivamente).

Em um estudo retrospectivo realizado na França com pacientes com a forma severa da COVID-19, o grupo de 52 pacientes tratados com anakinra apresentou menor necessidade de ventilação mecânica e menor mortalidade quando comparado ao grupo controle, sem ocorrência de efeitos adversos graves (14).

É possível que as terapias biológicas imunossupressoras sejam opções para o controle da SARS causada pelo SARS-CoV-2 (5), como já estão sendo pesquisados, por exemplo, a eficácia de: bloqueador da IL-6, tocilizimabe (15, 16, 17); bloqueador de fator de necose tumoral α; bloqueador de interferon γ; além de outros bloqueadores de IL-1 (1). Até o momento existem 10 estudos clínicos cadastrados no clinicaltrials.gov envolvendo o anakinra, porém ainda não existem dados significativos que suportem a utilização deste fármaco no tratamento de COVID-19.




Referências Bibliográficas

1.Jamilloux Y, et al. Should we stimulate or suppress immune responses in COVID-19? Cytokine and anti-cytokine interventions. Autoimmun Rev. 2020 Jul;19(7):102567.

2. Xiong Y, et al. Transcriptomic characteristics of bronchoalveolar lavage fluid and peripheral blood mononuclear cells in COVID-19 patients. Emerg Microbes Infect 2020;9:761–70.

3. Huang C, et al. Clinical features of patients infected with 2019 novel coronavirus in Wuhan, China. Lancet Lond Engl 2020;395:497–506.

4. Mehta P, et al. COVID-19: consider cytokine storm syndromes and immunosuppression. Lancet 2020; 395: 1033–34.

5. Muñoz-Jiménez A, Rubio-Romero E, Marenco de la Fuente JL. Proposal for the use of anakinra in acute respiratory distress secondary to COVID-19. Reumatol Clin. 2020 Apr 27:S1699-258X(20)30086-3. doi: 10.1016/j.reuma.2020.04.009. Online ahead of print.

6. Cavalli G, Dinarello CA. Treating rheumatological diseases and co-morbidities with interleukin-1 blocking therapies. Rheumatology 2015; 54: 2134–44.

7. Jamilloux Y, et al. Geoepidemiology and immunologic features of autoinflammatory diseases: a comprehensive review. Clin Rev Allergy Immunol 2018;54:454–79.

8. Vastert SJ, et al. Anakinra in children and adults with Still’s disease. Rheumatology (Oxford) 2019 Nov 1;58(Suppl 6):vi9-vi22.

9. Shakoory B, et al. Interleukin-1 receptor blockade is associated with reduced mortality in sepsis patients with features of macrophage activation syndrome: reanalysis of a prior phase III trial. Crit Care Med 2016;44:275–81.

10. Filocamo G, et al. Use of anakinra in severe COVID-19: a case report. Int J Infect Dis. 2020 May 10;96:607-9.

11. Dimopoulos G, et al. Favorable anakinra responses in severe covid-19 patients with secondary hemophagocytic lymphohistiocytosis. Cell Host Microbe. 2020 May 14. doi: 10.1016/j.chom.2020.05.007. Online ahead of print.

12. Pontali E, et al. Safety and efficacy of early high-dose IV anakinra in severe COVID-19 lung disease. J Allergy Clin Immunol. 2020 May 11:S0091-6749(20)30634-5.

13. Cavalli G, et al. Interleukin-1 blockade with high-dose anakinra in patients with COVID-19, acute respiratory distress syndrome, and hyperinflammation: a retrospective cohort study. Lancet Rheumatol. 2020 Jun;2(6):e325-e331.

14. Huet T, et al. Anakinra for severe forms of COVID-19: a cohort study. Lancet Rheumatol 2020 Published Online May 29, 2020 https://doi.org/10.1016/ S2665-9913(20)30164-8.

15. Luo P, et al. Tocilizumab treatment in COVID‐19: A single center experience. J Med Virol. 2020 Apr 6. doi: 10.1002/jmv.25801.

16. Colaneri M, et al. Tocilizumab for Treatment of Severe COVID-19 Patients: Preliminary Results from SMAtteo COvid19 REgistry (SMACORE). Microorganisms. 2020 May 9;8(5):E695.

17. Toniati P, et al. Tocilizumab for the Treatment of Severe COVID-19 Pneumonia With Hyperinflammatory Syndrome and Acute Respiratory Failure: A Single Center Study of 100 Patients in Brescia, Italy. Autoimmun Rev. 2020 May 3;102568.

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