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A inexistência de tratamento farmacológico específico para combater a pandemia de COVID-19 impulsionou a corrida por medicamentos capazes de inibir o coronavírus 2 da síndrome respiratória aguda grave (SARS-CoV-2).
Recentemente, a cloroquina (CQ) e seu derivado mais seguro, a hidroxicloroquina (HCQ)(1), foram propostos como medicamentos anti-SARS-CoV-2. Isso se deu pelo fato de estudos em células mostrarem-se efetivos na inibição da replicação de bactérias, fungos e vírus(2) . A ação foi similar quando testado contra o SARS-CoV-2(3-6). Esses resultados impulsionaram os ensaios clínicos em pacientes diagnosticados com a COVID-19, cujos resultados eram ansiosamente aguardados. Conforme os resultados desses estudos foram sendo publicados, mostraram-se amplamente contraditórios quanto a capacidade de agir contra SARS-CoV-2 e garantir a segurança do paciente (7-13). Em um dos estudo não houve benefício do uso da HCQ associado ao antibiótico azitromicina, do contrário, três pacientes evoluiram com piora grave do quadro clínico e um óbito(8).
CQ e o seu análogo HCQ são fármacos derivados da 4-aminoquinolonas, que são aprovados no Brasil para o tratamento das doenças artrite reumatoide e artrite reumatoide juvenil, lúpus eritematoso sistêmico e discoide, condições dermatológicas provocadas ou agravadas pela luz solar e malária.
A propagação na mídia dos trabalhos iniciais americano, chinês e francês sobre uma possibilidade de tratamento para a COVID-19 com esses medicamentos foi o pontapé para o esvaziamento dos mesmos nas drogarias brasileiras, deixando pacientes que fazem uso contínuo desses medicamentos desassistidos. A ANVISA, no intuito de coibir o desabastecimento, enquadrou a CQ e HCQ como medicamentos de controle especial (RDC 351 e 354), proibindo ainda as suas exportações. A medida foi feita para evitar que pessoas comprem sem necessidade e realizem a automedicação.
Com o avançar da COVID-19 e sua alta taxa de mortalidade, somados ao baixo custo e grande capacidade de produção nacional, fez com que o Ministério da saúde (MS) (14), baseando-se nos estudos clínicos iniciais de Gautret e colaboradores, incluísse a CQ e HCQ como possibilidade de tratamento da COVID-19 nas formas graves de pacientes hospitalizados. O decreto diz ser necessário realizar eletrocardiograma antes e durante a sua administração, para avaliar possível cardiotoxicidade (14).
O Conselho Federal de Medicina (CFM), no parecer nº 4/2020, faz considerações quanto ao uso de CQ e HCQ. As prescrições podem ser feitas, à critério médico, aos pacientes confirmados com COVID-19, em quadros leves e sintomas importantes desde que esclarecidos da não comprovação científica do medicamento e com conscentimento livre e esclarecido do paciente ou familiar. Nos casos críticos, deve-se considerar o uso compassivo, ou seja, um tratamento ainda não totalmente avaliado (15).
Todas as incertezas científicas expostas limitam a avalição da comprovação dos reais benefícios e segurança de CQ/HCQ contra COVID-19, portanto, mais estudos precisam ser desenvolvidos.
No Brasil existem dois estudos clínicos em andamento por cientistas da Universidade Estadual de Amazonas no Hospital e Pronto Socorro Delphina Rinaldi Abdel Aziz, o Estado no momento que computa a maior taxa de mortalidade pela COVID-19 no país.
Atualização disponível aqui.
Estrutura química da cloroquina.
Referências bibliográficas 1. McChesney EW. Animal toxicity and pharmacokinetics of hydroxychloroquine sulfate. Am J Med 75: 11e8, 1983.
2. Rolain JM et al. Recycling of chloroquine and its hydroxyl analogue to face bacterial, fungal and viral infections in the 21st century. Int J Antimicrob Agents 30(4): 297-308, 2007.
3. Wang M et al. Remdesivir and chloroquine effectively inhibit the recently emerged novel coronavirus (2019-nCoV) in vitro. Cell Res 30:269e71, 2020.
4. Bari MAA. Targeting endosomal acidification by chloroquine analogs as a promising strategy for the treatment of emerging viral diseases. Pharmacol Res Perspect 5:e00293, 2017.
5. Thorens B & Vassalli P. Chloroquine and ammonium chloride prevent terminal glycosylation of immunoglobulins in plasma cells without affecting secretion. Nature 321:618e20, 1986.
6. Zhou D et al. COVID-19: a recommendation to examine the effect of hydroxychloroquine in preventing infection and progression. J Antimicrob Chemother. pii: dkaa114, 2020.
7. Gautret P et al. Hydroxychloroquine and azithromycin as a treatment of COVID-19: results of an openlabel non-randomized clinical trial. Int J Antimicrob Agents 105949 2020.
8. Gautret P et al. Clinical and microbiological effect of a combination of hydroxychloroquine and azithromycin in 80 COVID-19 patients with at least a six-day follow up: an observational study. Travel Med Infect Dis 11:101663, 2020.
9. JeanMJM, et al. No evidence of rapid antiviral clearance or clinical benefit with the combination of hydroxychloroquine and azithromycin in patients with severe COVID-19 infection. Med Mal Infect pii: S0399-077X(20)30085-8.2, 2020.
10. Chen Jun LD et al. A pilot study of hydroxychloroquine in treatment of patients with common coronavirus disease-19 (COVID-19). J Zhejiang Univ 49, 2020.
11. Chen Z et al. Efficacy of hydroxychloroquine in patients with COVID-19: results of a randomized clinical trial. medRxiv doi: 10.1101/2020.03.22.200407583, 2020.
12. Magagnoli J. Ambati Outcomes of hydroxychloroquine usage in United States veterans hospitalized with Covid-19. medRxiv pre-print doi: 10.1101/2020.04.16.20065920, 2020.
13. Borba MGS et al. CloroCovid-19 Team Chloroquine diphosphate in two different dosages as adjunctive therapy of hospitalized patients with severe respiratory syndrome in the context of coronavirus (SARS-CoV-2) infection: Preliminary safety results of a randomized, double-blinded, phase IIb clinical trial (CloroCovid-19 Study) doi: 10.1101/2020.04.07.20056424.
14. Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos NOTA INFORMATIVA Nº 6/2020-DAF/SCTIE/MS, 2020.
15. Mauro Luiz de Britto Ribeiro. Tratamento de pacientes portadores de COVID-19 com cloroquina e hidroxicloroquina. Processo-consulta CFM nº 8/2020 – PARECER CFM nº 4/2020. 16 de abril 2020.
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