Prof. Dr. Leandro Louback da Silva - Campus UFRJ-Macaé
Desde o ano passado, um novo vírus, o coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2), se tornou o centro da atenção global por sua ampla propagação, de modo que todo o mundo vem enfrentando a COVID-19 (1, 2).
Infecções respiratórias por vírus geralmente são associadas a produção de citocinas, inflamação, morte celular, entre outros processos fisiopatológicos, todos de alguma forma associados com o estresse oxidativo, o qual se dá através da falta de equilíbrio entre produção de substâncias oxidantes, em especial as espécies reativas de oxigênio, e a defesa antioxidante do organismo (3). De um modo geral, um certo nível de espécies reativas de oxigênio é importante para regular as respostas imunológicas e eliminar o vírus, mas uma quantidade excessiva de espécies reativas de oxigênio irá oxidar proteínas e lipídios da membrana celular. Essa oxidação pode destruir rapidamente não somente as células infectadas pelo vírus, mas também células não infectadas, prejudicando o funcionamento de órgãos importantes como pulmão e coração. Nesse sentido, surgem propostas de emprego de antioxidantes, como a vitamina C, na intervenção terapêutica contra a COVID-19, visando diminuir os danos causados pelo estresse oxidativo (4).
Várias propriedades da vitamina C fazem com que ela pareça uma opção atrativa tanto para prevenção da infecção viral, como para o tratamento da doença resultante, e essas propriedades vão além do seu efeito antioxidante, podendo ainda diminuir a expressão genética de citocinas pró-inflamatórias e aumentar a morte do agente patogênico em certos tipos celulares. Mesmo com esses potenciais benefícios, não existem evidências que confirmem o uso rotineiro de vitamina C como método efetivo para prevenção e tratamento de infecções virais como a COVID-19 (5).
A análise de uma série de estudos clínicos controlados mostra que o uso regular de vitamina C causa uma modesta diminuição no tempo de duração da gripe comum, em torno de 8% em adultos, enquanto o uso terapêutico da vitamina C não altera nem a duração, nem a gravidade da gripe comum (6). Outros estudos clínicos avaliam também os potenciais benefícios da vitamina C em condições graves como sepse e síndrome de angústia respiratória aguda (SARA), condições que se manifestam no agravamento da COVID-19 (7, 8). Um estudo clínico chamado CITRIS-ALI, realizado entre 2017 e 2018 com 167 pacientes, mostra que em pacientes com SARA e sepse, a vitamina C administrada na dose de 200 mg/kg/dia por via intravenosa por 4 dias não altera significativamente a gravidade da doença, apesar disso a mortalidade no 28º dia diminuiu significativamente e o número de dias livres de UTI foi significativamente menor em pacientes que fizeram o uso de vitamina C (9). Outro estudo, o VITAMINS, realizado entre 2018 e 2019 com 216 pacientes, mostra que a combinação de vitamina C por via intravenosa, com hidrocortisona e tiamina, no tratamento de pacientes com sepse, não aumenta a sobrevida, nem diminui a necessidade do uso de medicamento para normalizar a pressão arterial (10).
Mais de 20 testes clínicos randomizados e controlados com algum uso de vitamina C em pacientes de COVID-19 estão cadastrados atualmente no site (clinicaltrials.gov) do Instituto Nacional da Saúde dos Estados Unidos (NIH). Em alguns estudos a vitamina C aparece como método auxiliar no tratamento ou na prevenção da COVID-19, sendo empregada por via oral em doses que variam de 100 mg a 200 mg por dia (NCT04323228, NCT04354428, NCT04334967, NCT04328961, NCT04347889). No entanto, os estudos que visam o uso da vitamina C como tratamento da COVID-19 preveem a administração em doses bem mais elevadas e por via intravenosa, variando de 8 g a 28 g por dia (NCT03680274, NCT04264533, NCT04342728, NCT04344184, NCT04395768, NCT04363216, NCT04323514, NCT04357782). O conhecimento de possíveis efeitos da vitamina C sobre a COVID-19 virá desses estudos que estão ainda em fase inicial, no entanto, já se observa que apenas com doses elevadas é que se espera algum benefício real, doses essas que não podem ser alcançadas com as apresentações da vitamina disponíveis nas farmácias.
Deve-se ter em conta ainda que a dose máxima diária segura de vitamina C para adultos é de 25 mg por quilo de peso, o que é alcançado com o consumo de apenas um comprimido de 2 g, ou seja, o tratamento diário com a maior dose segura ainda não alcançaria as doses dos estudos. Ingerir quantidades muito altas de vitamina C não resolveria esse problema, uma vez que a absorção intestinal da vitamina C é dependente de transporte ativo e portanto limitada, de modo que 70% a 90% de doses moderadas (30 - 180 mg/dia) são absorvidas, enquanto em doses maiores que 1 g/dia a absorção cai para menos de 50%. Além disso, os eventos adversos no trato gastrintestinal (náusea, vômito, azia, cólicas abdominais) poderiam limitar a dose (11), e ainda, altas doses de vitamina C podem estar associadas a formação de pedras nos rins (12). Sendo assim, não há evidência científica suficiente para justificar o consumo diário de suplementos a base de vitamina C para prevenção ou tratamento da COVID-19, enquanto estudos clínicos não produzem seus resultados, deve-se atentar para medidas comprovadamente eficientes para conter a pandemia, tais como isolamento social, uso de máscara e higiene das mãos (13).
Referências bibliográficas
(1) Johns Hopkins University - Coronavirus COVID-19 Global Cases by the Center for Systems Science and Engineering (CSSE) at Johns Hopkins University (JHU). Disponível em: https://coronavirus.jhu.edu/map.html
(2) Lipsitch, M.; Swerdlow, D. L.; Finelli, L. Defining the Epidemiology of Covid-19 - Studies Needed. N Engl J Med, 382:1194-1196, 2020. doi: 10.1056/NEJMp2002125.
(3) Komaravelli, N.; Casola, A. Respiratory Viral Infections and Subversion of Cellular Antioxidant Defenses. J Pharmacogenomics Pharmacoproteomics, 5(4):1000141, 2014. doi: 10.4172/2153-0645.1000141.
(4) Jing-Zhang, W.; Rui-Ying, Z.; Jing, B. An anti-oxidative therapy for ameliorating cardiac injuries of critically ill COVID-19-infected patients. Int J Cardiol, 6 de abril de 2020. doi: 10.1016/j.ijcard.2020.04.009.
(5) Kathleen, K. A.; William, L. Baker.; Diana, M. S. Myth Busters: Dietary Supplements and COVID-19. Ann Pharmacother, 12 de maio de 2020. doi: 10.1177/1060028020928052.
(6) Hemilä, H.; Chalker, E. Vitamin C for preventing and treating the common cold. Cochrane Database Syst Rev, 1:CD00980, 2013. doi:10.1002/14651858.CD000980.pub4
(7) Delgado-Roche, L.; Mesta, F. Oxidative Stress as Key Player in Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus (SARS-CoV) Infection. Arch Med Res, 30 de abril de 2020. doi: 10.1016/j.arcmed.2020.04.019.
(8) Wang, L. S.; Wang, Y. R.; Ye, D. W.; Liu, Q. Q. A review of the 2019 novel coronavirus (COVID-19) based on current evidence. Int J Antimicrob Agents. 19 de março de 2020. doi:10.1016/j.ijantimicag.2020.105948
(9) Fowler, A. A.; Truwit, J. D.; Hite, R. D., et al. Effect of vitamin C infusion on organ failure and biomarkers of inflammation and vascular injury in patients with sepsis and severe acute respiratory failure: the CITRIS-ALI randomized clinical trial. JAMA, 322:1261-1270, 2019. doi:10.1001/jama.2019.11825
(10) Fujii, T.; Luethi, N.; Young, R. J., et al. Effect of vitamin C, hydrocortisone, and thiamine vs hydrocortisone alone on time alive and free of vasopressor support among patients with septic shock. The VITAMINS randomized clinical trial. JAMA, 323:423-431, 2020. doi:10.1001/jama.2019.22176
(11) Jacob, R. A.; Sotoudeh, G. Vitamin C function and status in chronic disease. Nutr Clin Care, 5:66-74, 2002.
(12) Taylor, E. N.; Stampfer, M. J.; Curhan, G. C. Dietary Factors and the Risk of Incident Kidney Stones in Men: New Insights After 14 Years of Follow-Up. J Am Soc Nephrol, 15(12):3225-32, 2004. doi: 10.1097/01.ASN.0000146012.44570.20.
(13) https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46540-saude-anuncia-orientacoes-para-evitar-a-disseminacao-do-coronavirus
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