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Qual é o panorama atual sobre uso de medicamentos anticoagulantes na COVID-19?

Atualizado: 21 de mai. de 2020

Grupo Farmacologia Informa


São diversas as formas que a doença causada pelo novo coronavírus Sars-CoV-2 afeta o organismo humano, incluindo diferentes órgãos e não apenas o pulmão. O comprometimento cardiovascular é umas das principais complicações da doença (1-3).

Efeitos diretos ou indiretos da infecção viral podem levar a predisposição de formação de trombos (coagulação do sangue dentro do vaso sanguíneo). Essas alterações foram observadas, primeiramente, em pacientes na China infectados com o Sars-CoV-2 (4-6). Um dos estudos mostrou que 70% dos pacientes que foram a óbito tinham algum critério para classificação de coagulação intravascular disseminada (DIC, do inglês disseminated intravascular coagulation) (4). Posteriormente, estudos observaram que se tratava de uma trombose ativada pelo sistema imunológico (SIC, do inglês sepsis induced coagulopathy) (7). Mais recentemente, foi denominada coagulopatia intravascular pulmonar (PIC, do inglês Pulmonary Intravascular Coagulopathy) por McGonagle e colaboradores, diferindo um pouco da clássica DIC (8).

Atualmente, sabemos que três fatores principais contribuem para o estado de hipercoagulação (hiperatividade do processo de coagulação) na COVID-19: a intensa resposta inflamatória, que pode levar a uma condição chamada de tempestade de citocinas (substâncias que participam no sistema de defesa), as doenças pré-existentes e fatores de risco dos pacientes, e a própria gravidade do quadro clínico do paciente (9-10).

Diante do exposto, o uso de anticoagulantes foi incluído em protocolos clínicos para pacientes com COVID-19, não apenas para tratamento dos distúrbios trombóticos, mas também como profilaxia nos pacientes com COVID-19 (11-14). Os anticoagulantes são fármacos usados para prevenir a formação de trombos, impedindo o processo de coagulação. Farmacologicamente, a heparina é um exemplo de anticoagulante de elevada potência, além de demonstrar atividade anti-inflamatória (15). Em geral, as heparinas mais utilizadas na clínica são a heparina não fracionada, usada pelas vias intravenosa ou subcutânea, e seu derivado considerado mais seguro, a enoxaparina (heparina de baixo peso molecular), usada por via subcutânea (15).

Um grupo chinês mostrou que a heparina auxilia na prevenção da formação de trombos na microcirculação do pulmão e em outros locais do organismo com COVID-19 (4). Na abordagem profilática, a indicação mais consistente na literatura é a enoxaparina (11-14). No caso de não eficácia da profilaxia e presença de trombose pulmonar, uma estratégia seria o uso de doses terapêuticas de anticoagulantes ou o uso de agentes fibrinolíticos (que desfaz os trombos), como exemplo o fármaco t-PA (Ativador de plasminogênio tecidual). Alguns poucos estudos mostraram que o t-PA pode prevenir a entubação e progressão para SIC ao melhorar a capacidade respiratória dos pacientes graves com COVID-19 (16,17).

Apesar de um estudo indicar uma redução da taxa de mortalidade em virtude da profilaxia com enoxaparina em pacientes graves com COVID-19 (4), outro estudo posterior mostrou que a profilaxia com enoxaparina durante 30 dias somente reduziu a mortalidade nos pacientes com alterações em fatores de coagulação (19). No Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde, àqueles pacientes com COVID-19 e com disfunção da coagulação evidenciada por exames, recomenda-se o uso de heparina para reduzir o risco de tromboembolismo (19).

A herapina vem sendo especulada quanto a possibilidade de apresentar atividade anti-Sars-CoV2 (20,21). Recentemente, um estudo realizado na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) em parceria com colaboradores europeus, mostrou uma possível atividade contra o Sars-CoV-2. A heparina impediu em 70% a invasão do vírus em células de macaco, evitando assim a replicação viral (22).

Diante dos fatos expostos e da complexidade da doença, mais estudos, tanto pré-clínicos como clínicos, são necessários para comprovar a ação anti-Sars-CoV2 da heparina. Além disso, estudos clínicos controlados randomizados são necessários para melhor entendimento dos reais benefícios e possíveis riscos da terapia profilática com heparina na COVID-19, haja vista que a hemorragia é um efeito adverso grave que esse fármaco pode causar. A Sociedade Europeia de Cardiologia alerta que pacientes com COVID-19 em uso de heparina precisam de dose individualizada e monitorização (12).



Referências

1. Clerkin KJ. et al. Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) and Cardiovascular Disease. Circulation. 2020. doi: 10.1016/j.pcad.2020.05.001

2. Driggin E. et al. Cardiovascular Considerations for Patients, Health Care Workers, and Health Systems During the Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) Pandemic. J Am Coll Cardiol 75(18):2352-2371, 2020.

3. Madjid M. et al. Potential Effects of Coronaviruses on the Cardiovascular System: A Review. JAMA Cardiol 2020. doi:10.1001/jamacardio.2020.1286.

4. Tang N. et al. Anticoagulant treatment is associated with decreased mortality in severe coronavirus disease 2019 patients with coagulopathy.

J Thromb Haemost 18(5):1094-1099, 2020.

5. Fan BE. et al. Hematologic parameters in patients with COVID- 19 infection. Am J Hematol 2020. doi: 10.1002/ajh.25847

6. CUI, Songping et al. Prevalence of venous thromboembolism in patients with severe novel coronavirus pneumonia. Journal of Thromb Haemost. http://dx.doi.org/10.1111/- jth.14830.

7. Thachil J. The versatile heparin in COVID-19. J Thromb Haemost 18(5):1020-1022, 2020.

8. McGonagle D. et al. Why the immune mechanisms of pulmonary intravascular coagulopathy in COVID-19 pneumonia are distinct from macrophage activation syndrome with disseminated Intravascular coagulation. Autoimmun Rev 2020. doi: 10.1016/j.autrev.2020.102537

9. Zhang Y. et al. Coagulopathy and antiphospholipid antibodies in patients with Covid-19. N Engl J Med 2020.doi: 10.1111/jth.14893.

10. Tang N. et al. Abnormal coagulation parameters are associated with poor prognosis in patients with novel coronavirus pneumonia. J Thromb Haemost 18(4):844–847, 2020.

11. ESC Guidance for the Diagnosis and Management of CV Disease during the COVID-19 Pandemic, April 2020.

12. Song et al. Chinese expert consensus on diagnosis and treatment of coagulation dysfunction in COVID-19. Military Medical Research 2020. doi: 10.1186/s40779-020-00247-7

13. Burcu F. Pulmonary intravascular coagulation in COVID-19: possible pathogenesis and recommendations on anticoagulant/thrombolytic therapy. J Thromb Thrombolysis 5:1–3, 2020.

14. Jecko T. et al. ISTH Interim Guidance on Recognition and Management of Coagulopathy in COVID-19. J Thromb Haemost. 18(5):1023-1026, 2020.

15. Poterucha TJ. et al. More than an anticoagulant: do heparins have direct anti-inflammatory effects? Thromb Haemost 117(3):437-444, 2020.

16. Moore H. et al. Is there a role for plasminogen activator (tPA) as a novel treatment for refractory COVID-19 associated with acute respiratory distress syndrome (ARDS)? J Trauma Acute Care Surg 2020. doi: 10.1097/TA.0000000000002694.

17. Wu T. et al. Plasminogen improves lung lesions and hypoxemia in patients with COVID-19. QJM 2020. doi: 10.1093/qjmed/hcaa121.

18. Ning T. et al. Anticoagulant treatment is associated with decreased mortality in severe coronavirus disease 2019 patients with coagulopathy. J Thromb Haemost 18(5):1094-1099, 2020.

19. Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde – SCTIE. DIRETRIZES PARA DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DA COVID-19. Versão 3, 2020.

20. Belen-Apak FB et al. The old but new: Can unfractioned heparin and low molecular weight heparins inhibit proteolytic activation and cellular internalization of SARSCoV2 by inhibition of host cell proteases? Med Hypotheses 142:109743, 2020. doi: 10.1016/j.mehy.2020.109743.

21. B. Coutard, CV. et al. The spike glycoprotein of the new coronavirus 2019-n-CoV contains a furin-like cleavage site absent in CoV of the same clade. Antiv Res 176:104742, 2020. doi: 10.1016/j.antiviral.2020.104742.

Courtney J. et al., Heparin inhibits cellular invasion by SARS-CoV-2: structural dependence of the interaction of the surface protein (spike) S1 receptor binding domain with heparin. preprint from bioRxiv, 2020. doi: 10.1101/2020.04.28.066761.

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